sábado, 8 de outubro de 2011

MODELO DE JOGO

Por:  Carlos Carvalhal - http://www.coachcarvalhal.com/

Modelo de jogo é um conceito muitas vezes utilizado no futebol! Mas será que a esmagadora maioria das pessoas que o utiliza sabe verdadeiramente do que está a falar?

Recordo uma frase de um treinador de uma equipa após uma derrota: “Temos que começar a jogar à Porto…” Os adeptos nunca lhe perdoaram esta expressão! Conclusão: em pouco tempo teve que sair do clube!
Como é que isto se relaciona com o Modelo de Jogo? Já vamos perceber!
O Modelo de Jogo não é conjuntural, é essencialmente estrutural! Um treinador ao ser contratado, está a transportar as suas ideias para uma estrutura existente (ela existe por muito fraca que seja)! Um imperativo nesta profissão, é ter a capacidade de analisar muito bem o contexto onde se vai inserir: clube, relações entre pessoas, adeptos, meio social, político, local, regional, nacional, os costumes, as crenças, a história do clube e as suas melhores épocas, o sistema predominante nos anos de sucesso, as últimas equipas e jogadores, os jogadores que têm ao dispor, os que pode contratar, entre outras… só depois poderá definir um Modelo de Jogo.
Estive muito recentemente num País Europeu onde assisti a dois jogos. A pressão exterior era enorme, os adeptos faziam realmente muito barulho, são extremamente emocionais. Em várias situações percebi claramente a intenção de um jogador querer lateralizar um passe, tendo sido incrível o condicionamento provocado pelos adeptos, quase que o “obrigando” a jogar na vertical!
Acham que ao perceber o envolvimento, o treinador não deverá ter estes aspectos em atenção?! Claro que sim! Procurar jogadores com forte personalidade, trabalhar a sua mente para terem a capacidade de se imunizar ao envolvimento.
Recordam-se da infeliz expressão de um colega meu sobre o jogar “à Porto”? Em muitos clubes não teria eco! Mas foi proferida num clube com adeptos com muita paixão, um clube com forte identidade e elevada exigência, sendo para estes incompreensível modificar a sua matriz.
Perceber a história do clube, a sua personalidade e sua força social é fulcral para ter êxito!
Outro exemplo, este vivenciado por mim! Da análise prévia que fiz ao contexto do Vitória de Setúbal e do Leixões, fez-me chegar a algumas conclusões importantes. Eis apenas algumas delas: Importante e significativa massa crítica por parte dos seus (apaixonados) adeptos, carregados de amor clubístico, com uma participação extremamente activa (para o melhor e pior), tanto nos jogos em casa como fora; percebi claramente quais as estruturas tácticas e dinâmicas utilizadas nas suas melhores épocas; nestes períodos ambos os clubes tinham nos seus planteis uma base importante e significativa de jogadores oriundos da sua formação; havia uma valorização de jogadores mais sobre o aspecto técnico do que outra capacidade; necessidade de escolher jogadores com forte personalidade (não é qualquer jogador que joga no Vitória ou no Leixões); ganhar não chegava, tinha que se jogar bem…
Concordam comigo quando refiro que todos estes aspectos são importantíssimos para definir um Modelo de Jogo? A escolha de jogadores dentro de um conjunto de características, devem por um lado ir ao encontro das ideias do treinador, e ao mesmo tempo perceber a filosofia, história e cultura do clube! Não só porque estão melhor preparados para o envolvimento, como podem ser veículos de transmissão para os outros jogadores. Em ambos os clubes procurámos jogadores da sua formação, e creio não estar enganado ao referir que no ano da subida de divisão do Vitória tínhamos 13 jogadores da formação, no Leixões 14.
Como escolher o sistema de jogo? Recordo o que aconteceu quando ainda jogava no Espinho, na 1ª divisão! Os melhores anos deste clube tinham sido orientados por Quinito, jogando preferencialmente em 1.4.3.3, com dois extremos bem “abertos” nas linhas laterais. Um treinador em determinada altura optou por jogar em 1.4.4.2! Pois bem, para além dos jogadores terem que se adaptar a esse novo sistema, o treinador teve ainda a dificuldade de ter que lidar com a pressão dos adeptos que diziam que faltava um jogador ali, e outro acolá! Conclusão: acabou por mudar rapidamente para o sistema mais tradicional no clube.
Adivinho o que estão a pensar! O treinador deveria ter personalidade e impor as suas ideias! Concordo em parte, mas erro maior é contrariar a história do clube… experimentem ir para o Atlético de Bilbau e proponham a contratação de um jogador que não seja da região Basca!
A cultura, os hábitos e costumes devem ser cuidadosamente analisados pelo treinador na definição de um Modelo de Jogo, e muitas vezes os pormenores podem fazer toda a diferença! Será que, por exemplo, no caso do Espinho, as dimensões do campo também possam estar relacionados com a definição do Modelo de Jogo? Campo mais pequeno, adversários mais fechados na zona central, logo a necessidade de ter “campo grande “ a atacar e de criar desequilíbrios pelos corredores, tornou-se cultural. A procura de jogadores com determinadas características para uma estrutura tornou-se um imperativo, desenvolveram-se relações colectivas e emocionais, criou-se um Modelo de Jogo.
Vamos então falar do Modelo de Jogo adoptado… como assim? Ouço e leio muitas vezes esta expressão! Isso não existe! O Modelo de jogo idealizado, parece-me a expressão mais adequada! Não existem dois Modelos de Jogo iguais, logo não acho correcto falar em adopção de um Modelo. Isto será o mesmo que dizer que só existe um futebol… existem muitos futebóis! O Real Madrid Joga igual ao Barcelona?! O Porto joga igual ao Benfica?!
Modelo de Jogo idealizado, porquê? Porque é aquilo a que aspiramos jogar, aspiramos porque nunca chegamos a atingir! O Modelo idealizado está permanentemente a ser construído e reconstruído. Definimos princípios e sub-princípios para cada momento de jogo! Quando pensamos que estão consolidados e estamos a melhorar outros, no jogo seguinte aqueles que momentaneamente “abandonamos” deixam de se manifestar com eficiência.
O jogo tem um fluxo contínuo! Quando falamos em princípios de Jogo, falamos da sua articulação, não só entre si como também na relação e articulação com os sub-princípios e concomitantemente a articulação entre estes. Nisto, o treinador deve revelar-se como um gestor do processo, na necessidade de hierarquizar os princípios e sub-princípios (e ainda os sub dos sub-princípios…), de modelar comportamentos através da inovação de exercícios, incutindo uma forte matriz emocional, sem nunca perder o sentido do Todo no “desmontar” desse mesmo Todo, de forma a reduzir sem empobrecer. Isto é, temos um problema para resolver na equipa, queremos treinar sobre um grande princípio e enfatizar as relações com os sub–princípios! Ao organizar a unidade de treino devemos ter cuidado de não perder o sentido do Todo, ao “fraccionar” o jogo para inovar determinado exercício.
A matriz emocional do treinador no processo transmite a sua singularidade. Ele é único, os clubes, as equipas, os jogadores são todos diferentes. Num processo que deve ser de ensino-aprendizagem emerge a figura do treinador, na gestão e modelação de comportamentos e emoções, direccionando-os intencionalmente para a sua Ideia de Jogo, que é única, logo singular.
Cumpre ao treinador gestor fazer evoluir a sua ideia, através da sua sensibilidade, para detectar onde o processo está a crescer ou a “mirrar”, que relação entre princípios e entre estes e os sub-princípios deve acentuar, num processo extremamente dinâmico. Assim o Modelo de Jogo cresce, configurando um Todo muito mais do que a soma das partes.
Podemos dizer que o Modelo de Jogo é algo utópico, podemos andar lá perto mas nunca se alcança! Está em permanente evolução e reconstrução, até porque o “descobrir” as capacidades e deficiências dos nossos próprios jogadores, leva a que muitas vezes se enriqueça ou empobreça o Modelo inicial que idealizamos.
Mourinho referiu no final do jogo com o Real Madrid que o Barcelona é um projecto acabado e que o Real Madrid está a dar os primeiros passos! Concordo e entendo esta expressão, apenas acrescento que sendo um projecto acabado, não quer dizer que não possa evoluir ou regredir. Acabado na completa interpretação dos princípios e sub-princípios de Jogo muito bem definidos - completamente de acordo! A manutenção e evolução dependem em primeira instância da qualidade do treino, depois dos jogos e as suas incidências!
Esta abordagem ao Barcelona x Real Madrid não foi inocente! Defrontaram-se claramente duas equipas com Filosofias de clube completamente diferentes, que como referimos anteriormente se manifestam no Modelo de Jogo.
De um lado o Barcelona, com um Modelo de Jogo de clube, contratando treinadores dentro desta ideia, que possam acrescentar algo à ideia original! Ideia e Modelo que vem da formação, que tem anos e que representa muito do que é a Catalunha, o seu fervor regional. Princípios e sub-princípios de Jogo bem definidos desde a base até aos seniores! A procura de jogadores de fino recorte técnico, que possam integrar uma Ideia estrutural.
Por outro lado, ainda um projecto de autor (como creio ter referido Valdano)! Com uma Filosofia claramente diferente, mais virada para o exterior e para a mediatização. Ideia que Mourinho (o autor) procura contrariar, criando uma estrutura desde a base até aos seniores, de forma a ter futuramente um projecto de clube, o ser Real Madrid desde a cantera… isto é um Modelo diferente e por ser diferente não se vai modificar na 2ª parte do jogo… vai demorar anos a implementar!


TODOS OS CREDITOS Á CARLOS CARVALHAL - http://www.coachcarvalhal.com/

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